A essencialidade me chega como uma ruptura, um deslocamento, uma mudança que provoca uma inegável transformação. Comigo ela se apresenta pelos caminhos da aceitação, cheia de desconforto e descontentamento. Como se algo me dissesse: Você não é mais o mesmo e está insistindo num modelo ultrapassado de si mesmo, é hora de encarar que você tornou-se outro. Aceitar que não gosto mais de ir num determinado lugar, de participar de determinadas festividades. Que gosto da solidão, embora minha negação a este respeito acaba por vezes transformando esse prazer em sofrimento. O essencial é uma desconstrução, uma realocação onde se faz necessário dispensar aquilo que não faz mais sentido, que ocupa o espaço de novas experiências. O avançado do tempo não me permite continuar a desbravar a vida com mesma configuração, é preciso aceitar que novas experiências estão batendo à porta pedindo repouso. Chegamos num ponto em que não conseguimos mais viver de prazeres efêmeros e superficialidades. O valor da imaterialidade ganha espaço em nós ao percebermos que este tempo que temos até o fim da nossa existência não é tão calculável o quanto se aplica em teses. Cheguei no ponto onde consigo perceber que devo cada vez mais dedicar meu tempo, meu amor, minha atenção àquilo que verdadeiramente importa. A foi essa pergunta que me fiz, o que verdadeiramente é importante para você? Descredenciar uma a uma as banalidades e superficialidades que em minha concepção eram importantes foi e está sendo penoso. Como é difícil desistir e aceitar aquilo que incorporamos de forma tão profunda em nós. Atribuir valor a outrem mais do que a mim mesmo, permitir ser descartável ou, até mesmo um utilitário para o outro. E aqui digo com toda convicção, para muitas pessoas somos apenas um meio para realizações de seus prazeres egoístas, apenas isso e nada mais. Para estes somos duráveis como uma pilha, depois de esgotada sua utilidade é descartada no lixo da indiferença (lembre-se: aquilo que tem utilidade não tem valor). Mas a essencialidade quando nos abre os horizontes a este respeito. Convoca-nos a sermos seletivos e prioritários. Não há tempo para tudo. Lembro-me de Rubem Alves (meu autor preferido), afirmando que não haverá tempo para ouvirmos todas as músicas, para lermos todas as lindas poesias e nem ler todos os livros. É preciso ir ao encontro do essencial. Não vou àquela festa porque todos estarão lá, eu irei onde me sinta honestamente confortável. Vou ouvir e cantar as músicas que gosto, independente do gênero, pois tem a ver com prazer e não com satisfazer ou fingir que acompanha o gosto alheio. Ser fiel e verdadeiro, ser altivo e buscar experimentar o que é etéreo. Numa certa ocasião uma pessoa que muito admiro e gosto me disse: Você é muito honesto. Ela quis dizer em relação ao que sinto e transmito. Assumo que sou! Mas já levei muitos tombos da vida ao relevar essa honestidade em certos lugares e ocasiões. Lamentava sempre que não funcionava. Hoje não mais. Pessoas vem e vão, nem todos que aqui estão aqui vão permanecer até o fim. Mas quem está conosco verdadeiramente há de permanecer fielmente. Não importa a distância ou regularidade da presença, quem é verdadeiramente fiel faz questão de sê-lo.
"O que temos dentro de nós é o essencial para a felicidade humana".
Schopenhauer
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