quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Niemeyer 1907 - 2012

Na carta em que Niemeyer recusa festa de 80 anos de seu aniversário, revela a grandeza do ser humano que foi. Como bem traduziu Chico Buarque: Niemeyer, gênio da arquitetura e ser humano mais belo que a arte.


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Ninguém é dono da internet

Sobre o Marco Civil da Internet. 

Por Flávia Lefèvre

 A internet é um espaço público, como uma cidade, um parque, o meio ambiente que, apesar de ter surgido num contexto de guerra, tornou-se o que é hoje por impulso do que o ser humano tem de mais nobre: a criatividade, inteligência e vocação para socializar, tornando-a uma importante e decisiva manifestação cultural. E este espaço ainda está em estado bruto, sujeito ao poder dos grupos econômicos que veem na internet uma oportunidade infinita de lucros, bem como ao poder dos governos autoritários que encaram este valioso palco para as mais diversas e livres manifestações dos pensamentos e comunicação uma ameaça aos seus domínios. É neste contexto que nasceu o projeto de lei (PL 2126/2011) do Marco Civil da Internet, resultado de um debate intenso contando com a participação significativa da sociedade iniciado em 2009 pelo Ministério da Justiça, que se deu por intermédio de dois processos de consulta pública, até chegar à Câmara, tendo como relator o deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Pretende-se com o PL o estabelecimento de princípios, garantias, direitos e deveres, bem como a definição de diretrizes para atuação dos Poderes Públicos para a regulação do uso da internet no Brasil. O PL traz princípios fundamentais para a garantia de que a internet não será apropriada por interesses comerciais e que não servirá de instrumento para a discriminação social, o cerceamento da livre manifestação do pensamento e para o desrespeito à garantia da privacidade. Sendo assim, é fácil entender o motivo pelo qual as teles têm mobilizado esforços significativos para impedir a aprovação do projeto. E seus esforços têm sido bem sucedidos, especialmente porque encontram respaldo na atuação retrógrada e marcada pelo viés oligárquico que domina o Congresso Nacional. Foi assim que no último dia 20 de novembro, por uma manobra hábil do deputado Eduardo Cunha (PMDB), o deputado Arnaldo Farias de Sá (PTB) se prestou a apresentar requerimento de retirada do PL da pauta de votação pela quarta vez, acolhido pelo voto da maioria dos partidos, menos do PT, PSOL e PCdoB. O golpe no PL poderá ter sido decisivo, pois o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), irritado com a manobra, anunciou que a partir daquele momento o projeto deixava de ser uma prioridade, o que significa um retrocesso. Corremos o risco de deixarmos de ter a “Constituição da Internet”, como se comentou na imprensa internacional noticiando que o Brasil perdeu a oportunidade de se tornar uma referência geopolítica no cenário da regulamentação dos direitos da internet. O objetivo das teles é levar a discussão do tema para a próxima reunião da União Internacional de Telecomunicações (UIT), que ocorrerá em Dubai a partir de 3 de dezembro. Os grandes grupos econômicos pretendem que na UIT – órgão marcado pela falta de transparência e sujeito às pressões dos poderosos – consigam definir orientações contrárias ao princípio da neutralidade das redes, de modo que as empresas fiquem autorizadas a discriminar o tráfego de pacotes de dados na internet, de acordo com o valor pago pelos consumidores. Traduzindo: quem pagar mais vai ter privilégio no tráfego. Outro ponto fulcral para as teles: ao contrário do que estabelece o projeto, querem ter o direito de guardar e usar as informações privadas daqueles que usam suas redes. Dezenas de entidades da sociedade civil, entre elas a PROTESTE – Associação de Consumidores – enviaram cartas a ANATEL – que representa nosso país na UIT – no sentido de deixar claros os interesses dos cidadãos brasileiros e as divergências com as pretensões das teles. Sabemos que elas hoje têm um poder de influência determinante na agência e seria lamentável ver o Brasil defendendo posição retrógrada quanto ao que foi recentemente reconhecido pelo Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de que, assim como a liberdade de expressão na internet, o acesso às redes de telecomunicações também se constitui como direito humano fundamental a ser protegido por todos os países. No meio dessa forte disputa, saudamos a União Europeia que, identificando a manobra dos grupos econômicos, no último dia 23 de novembro divulgou uma carta de diretrizes afinadas com os princípios expressos no PL do Marco Civil da Internet, especialmente no que diz respeito à neutralidade das redes. Estamos, então, num momento crucial, pois, no fundo, o que as teles pretendem é exercer o poder de donas da internet; pretendem confundir infraestrutura com o espaço virtual criado a partir das redes de telecomunicações, sob o falacioso argumento de que não é justo que empresas de conteúdo como Google, Facebook, Netflix, entre outras , paguem pelo uso da internet o mesmo do que os pequenos consumidores. Ocorre que, se essas empresas ocupam muito as redes é porque nós consumidores demandamos muitas informações; é este o maior valor envolvido na questão. Quanto mais as empresas de conteúdo pagarem às teles, mais caros ficarão os valores dos serviços contratados com os consumidores, trazendo consequências indesejáveis para a universalização dos serviços ofertados na internet. A mobilização da sociedade civil neste momento é urgente e imprescindível; temos de ser eficientes para que o Congresso Nacional, especialmente a Câmara dos Deputados, atuem de acordo com os anseios legítimos de nós que os elegemos, apoiando e fortalecendo os parlamentares comprometidos com o interesse público e com a aprovação do Marco Civil da Internet.

Fonte. Carta Capital 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O menino que pintou Jesus Negro


Ele era o mais brilhante aluno na Escola Municipal Muskogee, para crianças negras. Todos, mesmo os remotamente ligados à escola, sabiam disso. A professora sempre pronunciava seu nome com grande prazer – indicava-o como o modelo. Certa feita, ouvi-a dizer: “Se fosse branco, um dia chegaria por certo a presidente da República”. Todavia, Aarão[1] Crawford não era branco; pelo contrário. Sua pele, tão marcantemente preta, reluzia, refletindo uma estranha virtude interior, superior à minha compreensão. Dava a impressão, de certa forma, que havia sido montado desajeitadamente. Tanto o nariz quanto os lábios pareciam fora de medida, um tanto maiores do que caberiam em sua face. Dizer que ele era feio, seria injusto; afirmar que era bonito, um exagero grosseiro. Honestamente, nunca firmei uma convicção a esse respeito. Às vezes ele parecia como que saído de um livro de história antiga... como se fosse um remanescente daquele magnífico tempo anterior à chegada da Idade das máquinas, que arruinou com a beleza natural da Terra. Aarão e sua múltipla variedade de talentos, geralmente abismava aos professores. Isto fazia com que os seus colegas o vissem com um sentimento misto de admiração e inveja. Nas vésperas do dia de Ação de Graças, desenhava, no quadro negro, perus e abóboras. Quando das celebrações do aniversário de George Washington, desenhava imensas bandeiras dos Estados Unidos, circundadas por pequenas machadinhas. Essas modestas obras de arte eram responsáveis pela fama que detinha, do mais conhecido menino negro na cidade de Columbus, estado da Geórgia. O diretor da escola, negro, vaticinou que um dia Aarão haveria de ser um grande pintor, como fora Henry O. Tanner[2]. Para o aniversário da professora, que ocorrera uns poucos dias antes da formatura, Aarão Crawford pintou um quadro que causaria grande alvoroço e seria um marco delimitador na Escola Municipal Muskogee. Nessa manhã, ao entrar na sala de aula, todos os olhos se puseram nele. Além de sua pasta rota, Aarão carregava um objeto retangular, uma moldura, embrulhada em jornais velhos. Como os demais olhos, também os da professora se puseram em Aarão, e seguiram cada um de seus movimentos. Uma curiosa estupefação se espelhava neles, conflitando com o meio sorriso que enfeitava a face da mestra. Aarão colocou a pasta sobre sua carteira e, sorrindo largamente, caminhou em direção à mesa da professora. Seus olhos vívidos brilhavam tanto de alegria que pareciam estar na fronteira da apreensão. Seus coleguinhas dobravam-se sobre as carteiras, acompanhando curiosos tudo o que se passava. Cada peito abrigava uma ansiedade quanto ao que Aarão trouxera. A professora sentia que ele lhe havia dado um presente. Ainda sorrindo, ele depositou o embrulho sobre a mesa da mestra e passou a ajudá-la na remoção das folhas de jornal. Quando a última folha foi removida da grande moldura, a professora num gesto brusco, um ímpeto, afastou sua mão da imagem – seus olhos faiscavam, incrédulos. Em meio à uma rígida tensão, sua respiração se fazia distinta e assustadora. Por certo tempo, nenhum outro som se ouvia na sala. Aarão encarou-a com uma interrogação na face, fazendo com que ela levasse novamente sua mão, cautelosamente, na direção do presente, tocando-o como se fosse algo vivo, mas pecaminoso. Tenho certeza de que aquilo era a última coisa que imaginaria ver um dia. Com um movimento rápido e involuntário, pus-me de pé. Murmúrios soturnos tomavam conta do ambiente, mas cresceram até se tornarem um distinto som monótono. A professora se voltou para as crianças, encarando-as em reprovação. Eles não desgrudavam o olhar do presente que Aarão havia trazido... Era um imenso quadro de Jesus Cristo – retratado como um negro! Aarão Crawford retornou à sua carteira. Uma auréola de triunfo podia ser notada em cada um de seus movimentos. A professora voltou-se para nós. Seu curioso meio-sorriso havia se transformado em perplexidade. Buscou amparo nas faces brilhantes à sua frente, e começou a novamente sorrir, às vezes lançando furtivos olhares para o grande retrato postado sobre sua mesa, deixando a impressão de que, assim agindo, gozava de uma prazer ilícito. “Aarão”, disse enfim a mestra, com um leve toque de incerteza no tom de sua voz, “este é um presente mais do que bem vindo. Obrigada. Vou guardá-lo como a um tesouro”. Fez uma pausa, para prosseguir, um tanto mais coerente do que antes: “Dá para sentir que você vai ser um artista... Por que você não vem até aqui, e conta para a classe como se decidiu fazer esta notável pintura?” Quando ele se levantou para falar, explicar sua obra, um silêncio caiu sobre a sala; as crianças concentraram-se por completo nele. Isto era algo que raramente concediam, sequer à professora. Aarão não falou, desde logo. Deixou-se ficar, quieto, olhando ausente para a sala, brincando com suas mãos. Mirava a sua platéia ali, como faria um grande concertista. “Foi assim”, iniciou, colocando total ênfase em cada uma das palavras que emitia. “Vocês sabem, meu tio que mora em Nova York, leciona História dos Negros, na Associação Cristã de Moços. Quando ele visitou-nos, no ano passado, contou histórias sobre inúmeras pessoas negras, grandes vultos, que fizeram história. Disse que, houve um tempo, no passado, em que os negros eram os povos mais poderosos da Terra. Quando eu perguntei-lhe se Jesus se incluía dentre essa gente, ele foi categórico dizendo que ninguém jamais provara se ele fora negro ou branco. Por isto, um sentimento tomou conta de mim, que me dizia, sim, ele era negro. E sabem por que? Porque possuía uma gentileza que nunca vi em qualquer pessoa branca. Por isto, quando eu pintei seu retrato, eu fiz do jeito que acredito um dia Jesus Cristo fora”. Após isto, o artista sentou-se, com um largo sorriso, como se tivesse conseguido acesso ao grande armazém do conhecimento, de ingresso e compreensão fora de alcance ao comum das pessoas. A professora, apanhada de surpresa e face às circunstâncias do momento, convidou-nos a sairmos de nossas classes e irmos à frente, a fim de termos uma visão completa da preciosa peça de arte produzida por Aarão. Quando cheguei perto do quadro, logo vi que a tela havia sido pintada com uma tinta dessas que a gente compra em lojas do tipo tudo por cinco e dez centavos. Seu contorno se mostrada um pouco borrado, como se alguém houvesse arranhado a moldura antes que esta houvesse secado. Os olhos de Jesus eram profundos e tristes, muito parecidos com os de seu pai, que era um diácono na igreja Batista local. Essa imagem de Jesus era muito diferente daquela dependurada na parede, quando eu freqüentava o catecismo dos domingos. Era muito mais a imagem de um desvalido negro, implorando silenciosamente por misericórdia. Nos dias que se seguiram, muito se falou a respeito do quadro de Aarão. O ano letivo se encerraria na semana seguinte; o quadro de Aarão, junto com o melhor de trabalho manual que a turma havia produzido naquele ano, seria exposto no auditório. Naturalmente, sua obra iria merecer um lugar de honra. Não havia exercício de classe para ser feito, no dia da conclusão, assim que todos estávamos muito felizes. As meninas, com seus vestidos em vívido colorido, davam ao ambiente um tom de despertar primaveril. Ao meio-dia, todas as crianças haviam se reunido no modesto auditório. Nesse dia,sempre éramos honrados com a visita de um homem ao qual os professores se referiam com uma mistura de admiração e medo. Chamavam-no de professor Danual, fazendo-o sempre com reverência. Era o supervisor de todas as escolas da cidade, inclusive das pequenas, e pobremente equipadas, apenas para as comunidades negras. O figurão apareceu quando estávamos envolvidos com as atividades de encerramento letivo. Vendo-o entrar no recinto, nos levantamos e, em saudação cortês, nos curvamos à sua passagem. Sentaram-se novamente. Ficaram, contudo, examinando-o em detalhe, como se fosse uma aberração circense. Era um homem branco, alto e com uma sólida cabeleira grisalha, que fazia sua face descarnada parecer mais pálida do que realmente era. Seus olhos, de uma azul como eu nunca antes vira, eram, em verdade, a única coisa vívida em sua imagem. Enquanto ele se endereçava ao placo, o diretor da escola, George Du Vaul, um negro, lhe abria caminho, cuidadosamente observando para que nada se intrometesse à sua frente. Ao passar por mim, ouvi professores, temerosos, puxando o ar aos pulmões – pressentiam aumento da tensão. Uma cadeira maior havia sido colocada no centro o palco. Fora cuidadosamente polida, e o zelador havia laboriosamente recondicionado seu assento. O supervisor direcionou-se à cadeira, sem que alguém o tivesse convidado, com a certeza de que aquele destaque lhe era assegurado. O diretor da escola fez a apresentação do ilustre convidado e brindou-nos com um breve discurso. Não foi um pronunciamento importante. Quase ao fim de sua fala, lembro-me ouvindo-o dizer algo sobre nosso futuro; que não seria surpresa se um dentre nós viesse a se tornar um importante negro, como Booker T. Washington[3]. O supervisor sentou-se. O coro da escola cantou dois spirituals, e as meninas da quarta série executaram uma dança folclórica indiana. Com isso, encerrava-se o programa desse fim de ano letivo. O supervisor desceu do palco, com os olhos mostrando curiosidade, e deu início a visita à exposição de trabalhos manuais dispostos em frente à capela. De repente, sua face ganhou um estranho ar de resplendor. Seus límpidos olhos azuis faiscaram perplexos. Detinha-se, naquele instante, na imagem de Jesus pintada por Aarão Crawford. Num gesto automático, curvou seu corpo para examinar melhor a figura, permanecendo a encará-la, curioso e indeciso, como se ali estivesse um animal perigoso, que poderia sair dali a qualquer instante e espalhar destruição. Ficamos todos a esperar pelo próximo movimento. O silêncio era quase sufocante. Enfim, voltou-se para trás e se deparou com as soturnas faces que o encaravam. O brilho de fogo em seu olhar diminuiu um pouco quando eles se fixaram no diretor negro, em protesto. “Quem pintou este sacrílego absurdo?” – indagou abruptamente. “Fui eu, senhor”. Disse Aarão, hesitantemente. Tímido, molhou seus lábios, e encarou o supervisor – os olhos emitindo um triste apelo por compreensão. Aarão falou novamente, desta feita com maior coerência. “O diretor disse que uma pessoa de cor tem o mesmo direito de pintar Jesus Cristo negro, como um branco tem retratá-lo branco. E ele disse...” Neste ponto, parou abruptamente, como se em busca das palavras que deveriam se seguir. Um forte matiz de atordoamento enfraqueceu o fulgor de seu consistente rosto negro. Aarão gaguejou umas poucos palavras a mais, parando novamente. O supervisor se aproximou uns passos do jovem. Sua face descarnada e sem expressão ganhou alguma cor, e ordenou: “Está bem, vá em frente. Continuo ouvindo você”. O menino moveu seus lábios de forma patética, mas as palavras não saíam. Seus olhos vagavam pela sala, parando, enfim, com certa esperança, ao encarar o diretor. Após um momento, ele virou sua face noutra direção, pesarosamente, como se algo que houvesse dito traísse um pacto de compreensão entre ele e o diretor. Este adiantou-se para defender o seu aluno premiado. “Eu incentivei esse jovem a pintar o quadro”, disse com firmeza. “E foi com minha permissão que ele trouxe o quadro para a escola. Não creio que o menino esteja errado ao retratar Jesus como um negro. Os artistas de outras raças pintaram os deuses que adoravam, à sua própria imagem. Não vejo porque ele fora imune a esse privilégio. A mais, Jesus nasceu naquela parte do mundo que foi predominantemente povoada por pessoas de cor. Há, sim, uma grande possibilidade de que ele haja sido negro”. O monótono silêncio e o audível respirar de todos assegurava que o ambiente, por inteiro, como que se quedava estático. Eu jamais havia visto o pequeno diretor falar tão firmemente para alguém, negro ou branco. O supervisor, pasmo, engoliu a saliva. Sua face incandescia, em silenciosa raiva. “Você tem ensinado às crianças coisas como essa?” Perguntou, energicamente, ao negro diretor. “Tenho ensinado aos meninos que sua raça produziu importantes reis e rainhas, mas também escravos e servos”, iniciou o diretor. “Já deveríamos, há tempos, tornar o mundo ciente de que, a um tempo, erguemos e desfrutamos os benefícios de uma esplendida civilização, muito antes que os povos da Europa sequer tivessem uma língua escrita”. O supervisor tossiu. Seus olhos saltaram nas órbitas ameaçadores, à medida em que falou: “Você não está sendo pago para ensinar isso, aqui nesta escola. Assim, estou solicitando que você se demita, por haver excedido aos limites suas atribuições de diretor”. George Du Vaul não falou. Um forte tremor passou por sua taciturna face. Sem pressa, afastou-se de onde estava, seguindo em direção à sua sala. O supervisor seguiu-o com os olhos, até que desapareceu do foco de seu olhar. Então murmurou sob um suspiro: “Vai haver um bocado de rebuliço nesse mundo se for permitido que saiam ensinando que Jesus Cristo foi crioulo”. Alguns professores seguiram o diretor, em sua caminhada para fora da capela, deixando as desamparadas crianças sem saber o que fazer. Finalmente, começamos a caminhar para nossos dormitórios. O supervisor vinha atrás de mim. Ouvi-o murmurar para si mesmo: “Ah, esses crioulos!, estão ficando cada vez mais espertos”. Alguns dias após, tomei conhecimento de que o diretor havia aceitado um emprego de verão, como instrutor de artes num pequeno ginásio ao sul da Geórgia, e conseguiu licença dos pais de Aarão para que o acompanhasse, de forma que pudesse continuar a estimular o veio artístico do menino. Eu voltava para casa quando o vi deixando seu escritório. Carregava uma grande maleta e alguns livros sob o braço. Ele já havia se despedido de todos os professores, e, estranhamente, não demonstrava qualquer tipo de chateação. Ao endereçar-se para a grande porta da frente, reajustou seu óculos de tartaruga, mas não olhou para trás. Um ar de triunfo dava dignidade à suas passadas de militar. Tinha a aparência de um homem que havia protagonizado uma façanha, algo maior do que uma pessoa comum poderia realizar. Aarão o esperava do lado de fora. Caminharam calçada afora, juntos. Com afeto, o professor colocou seu braço sobre o ombro de Aarão. Aquele falava com ardor algo e este o ouvia com profunda tenção. Fiquei observando-os até que haviam se afastado muito na rua, fazendo com que suas formas começassem a se perder. Mas, mesmo na distância, se podia perceber que continuavam a caminhar em passos firmes e decididos, como pessoas que haviam conquistado algum tipo de vitória. 

Escrito em 2006. 

 [1] Aaron Douglas (1899-1979) é considerado o símbolo dos pintores do Renascimento do Harlem. 

The Boy Who Painted Christ Black De John Henrik Clarke Tradução: José Luiz Pereira da Costa

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O fotógrafo de Sigmund Freud

O livro "Berggasse 19", reúne retratos da intimidade de Freud, como uma crônica de seu cotidiano.




As fotografias fazem parte de um livro que também contém as memórias de Engelman. O que de início, era pra ser apenas um registro visual dos locais que seria deixada para trás por conta da ocupação nazista, tornou-se o principal arquivo documental da vida do que veio a ser o grande mestre, e um dos maiores pensadores de todos os tempos. A psicanálise que até então era vista como uma ciência renegada pela cultura vitoriana, foi disseminada a partir da metade do séc XX, como já havia previsto Freud, golpeou o narcisismo da modernidade, ipondo o seu lugar de reflexão nas ciências humanas de forma densa e decisiva. As fotografia feitas por Edmund, carregam a tensão promissora da grande descoberta em seu ambiente inicial. Trazem também um gosto de incerteza e uma visão sombria, onde Freud após anos de experiências analíticas ouvindo as dores, angústias, fantasias e desejos no mais íntimo do humano, lutava contra um câncer, e via sua vida se desfazer pelos dias que seguiam à sua frente. 

Para conferir mais imagens visitar o site abaixo.

 http://lounge.obviousmag.org/embriaguez_artistica/2012/05/o-fotografo-de-sigmund-freud.html 

Este outro link levará você até o museu do Freud, em Londres. Vale a pena conferir. 

http://www.freud.org.uk/

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O filósofo do martelo na academia

"Eu lamento agora que naqueles dias eu ainda não tinha coragem (ou imodéstia?) para permitir a mim mesmo, de todas as formas, minha própria língua individual..." Estas palavras são de Friedrich Nietzsche (1844-1900), em tradução livre, do seu "Tentativa de Autocrítica", opúsculo escrito por ele como autocrítica, em 1886, ao seu livro "Nascimento da Tragédia" (primeira edição em 1872). A edição de 1886 ganhou como acréscimo ao título o subtítulo "Helenismo e Pessimismo". Nietzsche foi minha primeira paixão na faculdade de filosofia da USP. Na época, recém-saído da medicina e em formação para ser psicanalista, o que nunca aconteceu, eu colocava em diálogo Nietzsche e Freud. O filósofo do martelo me é inesquecível e continuo pensando com o martelo até hoje. Vocação é destino. Este trecho específico carrega em si muito do que Nietzsche significa para um filósofo profissional como eu, em constante mal-estar com o que a vida universitária se transformou, em épocas de produtividade industrial do ensino superior. A fala de Nietzsche vai de encontro ao modo como somos formados, não sem razão, nas boas faculdades de filosofia: somos formados para não sermos originais. Hoje, entendo que qualquer originalidade possível em filosofia é algo conquistado a duras penas, assim como a santidade ou os movimentos precisos de uma dança --metáfora cara ao filósofo do martelo. Lembro-me de uma das primeiras aulas em que um dos grandes professores que tive nos disse algo assim: "Você não está aqui para achar nada, antes de achar algo estude, e descobrirá que muita gente já pensou o que você pensa, e muito melhor do que você, antes de você." Esta dureza acaba por fazer de nós pessoas menos opinativas e mais rigorosas, e isso é sem dúvida fundamental. Esta é a diferença entre pensar filosoficamente e pensar como senso comum. Vale lembrar que do ponto de vista da filosofia, as ciências humanas em geral são senso comum. Rigor nada tem a ver com o que a academia se tornou com o passar dos anos: um antro de política lobista e de burocracia da produtividade a serviço da morte do pensamento. A universidade está morta e só não sente o cheiro do cadáver quem tem vocação para se alimentar de lixo. Fosse Kafka vivo e escrevesse um conto sobre nós, acadêmicos, nos colocaria com cara de ratos. Imaginem Nietzsche preenchendo o currículo Lattes, uma plataforma informática que supostamente democratiza o acesso à produtividade da comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que normatiza e quantifica esta produtividade. Na prática, o Lattes serve para nos tomar tempo (sempre dá pau) e acumular platitudes e repetições que visam a quantificação de um quase nada de valor. Agora imaginem Nietzsche às voltas com relatórios anuais da Capes, que junto com o Lattes, institucionaliza e quantifica esta mesma produtividade de um quase nada de valor. Não existiria filosofia se nossos patriarcas, de Platão a Nietzsche (para citar dois grandes), tivessem que preencher o Lattes, fazer relatórios Capes ou serem "produtivos". Todos seriam o que, aos poucos, nos transformamos: burocratas mudos da própria irrelevância. Analfabetos do pensamento. Uma das formas de sobreviver a este processo de produtividade de massa é obrigar nossos alunos a pesquisar aquilo que não querem, de uma forma que não querem, a fim de garantir verbas institucionais de pesquisa em grande escala. Esmagamos a criatividade e as intenções dos alunos fazendo deles uma infantaria estatística. A universidade mente: quer formar rebanhos dizendo que defende a liberdade de pensamento. Lutamos dia a dia para conseguirmos sobreviver aos montes de formulários e demandas do mundo dos ratos. A universidade aos poucos sucumbe aos efeitos colaterais de um mundo que, como diria Nietzsche, vomita "ideias modernas". Os processos de democratização do saber, como suspeitava nosso filósofo, são processos de produção de nulidades em grandes quantidades. Mais do que nunca é urgente sermos corajosos e imodestos para acharmos nossa própria língua individual. 


Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada". 

 Fonte. Folha.com

sábado, 27 de outubro de 2012

Sobre Álcool e Direção

Campanha na Austrália reduz mortes no trânsito expondo a brutalidade dos acidentes

Campanha dirigida a motorista adota tática ousada: mostram de maneira ultraexplícita como um único deslize é o que basta para matar ou morrer



 A mãe está atrasada para buscar o filho na escola. Cautelosa, ela acomoda a caçula na cadeirinha do banco traseiro do carro, afivela bem o cinto, e então corre para não deixar o menino esperando — acelera no sinal amarelo, corta caminho por um bairro residencial e pisa fundo no acelerador. De repente, um cachorro atravessa a rua; a motorista faz uma manobra abrupta e escapa de atropelar o cão. Mas não o menino que vinha atrás dele: numa cena horrorizante, e mostrada em todos os seus detalhes pavorosos, o carro atinge com violência o garoto, que rola já sem vida sob ele. O telespectador, chocado, lê a mensagem na tela: “Don’t fool yourself, speed kills” (Não se engane, velocidade mata). Em outra propaganda, um jovem casal troca olhares carinhosos enquanto passeia de carro. O cenário idílico e a trilha sonora fazem pensar que se trata de um inocente anúncio de carro — mas só até ele se transformar em um espetáculo horrível de ferro retorcido e sangue: o rapaz, que havia bebido um pouquinho (mas pouquinho mesmo) no aniversário do sogro, distraiu-se e enfiou seu carro em um caminhão parado no acostamento. A mensagem no final do filme é, desta vez, ainda mais direta: “If you drink, then drive, you’re a bloody idiot” (Se você bebe, e então dirige, você é um perfeito idiota). As cenas descritas acima fazem parte de uma muito bem-sucedida campanha de segurança no trânsito que vem sendo veiculada na Austrália desde 1989. As imagens ultrarrealistas parecem feitas para uma superprodução hollywoodiana. Produzidos pela TAC, sigla para Transport Accident Comission (Comissão de Acidentes no Transporte), do estado australiano de Victoria, os comerciais mostram ao telespectador que não é preciso incorrer em comportamentos de risco flagrante para cometer um ato fatal de imprudência. Quem nunca acelerou um pouco mais para chegar a tempo a um compromisso, ou se julgou capaz de dirigir depois de duas cervejas ou uma taça de vinho? Atores dignos do Oscar interpretam a mãe apressada, o casal após um almoço com amigos, o pai de família que, levemente embriagado, se preocupa apenas em se desviar da blitz policial — e, como não poderia deixar de ser, os jovens irresponsáveis que voltam para casa depois de uma noite embalada a bebidas ou drogas. Em poucos minutos, as historietas levam dessas alegres confraternizações às colisões, por vezes com imagens devastadoras do momento do acidente, e daí ao desespero dos familiares ao receber a trágica notícia. Não há personagens enlouquecidos, completamente embriagados ou detestáveis na sua indiferença pela vida alheia: só gente comum, que não quer fazer mal a ninguém, mas comete um deslize terrível — e não só paga caro por ele como faz com que inocentes paguem caríssimo também. O objetivo, claro, é estimular a identificação do público com os protagonistas dessas histórias dramáticas. Para criar esses comerciais, a comissão australiana baseou-se tanto em estudos psicológicos como em pesquisas de opinião. Além dos vídeos ficcionais, ela produz filmes com depoimentos reais, extremamente emocionantes, de familiares de vítimas. “O realismo é parte de uma estratégia abrangente, que combina bons argumentos, didatismo e emoção para envolver o público. É duro assistir aos comerciais — mas eles são eficientíssimos na transmissão da mensagem”, disse a VEJA John Thompson, diretor de marketing da TAC. “Para muitos motoristas, as cenas fortes tocam diretamente no medo de morrer ou de se ferir. Consequentemente, provocam uma mudança de comportamento no trânsito”, completa. Os números comprovam essa tese. Quando foi ao ar a primeira propaganda, em 1989, a Austrália amargava 2 801 mortes por ano nas ruas e estradas do país. Duas décadas e 150 comerciais depois, os australianos estão mais prudentes: em 2010, 1 352 pessoas morreram no trânsito, uma redução de 52% nas fatalidades, a despeito do aumento no número de veículos em circulação. Nos dez primeiros meses deste ano, as mortes somaram 1 040. As propagandas são veiculadas na TV australiana em diversos horários — as mais explícitas são transmitidas à noite —, e muitas foram exportadas para países como Irlanda, África do Sul, Nova Zelândia e Vietnã. Os vídeos, depois, continuam a se propagar na internet. O filme de cinco minutos feito em 2009, que compilava imagens de propagandas antigas para comemorar os vinte anos de campanha, foi reproduzido 14 milhões de vezes na web. Os brasileiros formaram a segunda maior audiência, com 2,5 milhões de acessos. Campanhas feitas para chocar não são exclusividade das autoridades australianas. Um vídeo produzido pela polícia do País de Gales em 2009 mostra o gravíssimo acidente provocado por uma jovem que tecla uma mensagem no celular enquanto dirige. Bastam alguns segundos de olho no aparelho para que a garota invada a faixa contrária e colida com outros dois veículos. A sequência mostra as três ocupantes do carro sendo chacoalhadas como bonecas de pano, suas cabeças estraçalhando as janelas. A intenção de horrorizar o telespectador aparece, inclusive, nos detalhes: o bebezinho mostrado em close durante o resgate das vítimas está de olhos abertos, mas, como permanece imóvel, deduz-se que esteja morto. O vídeo de quatro minutos rapidamente se tornou um hit na internet — foi acessado mais de 5 milhões de vezes no YouTube —, provocando debates sobre segurança no trânsito em canais de notícias da Inglaterra e dos Estados Unidos. Essas cenas fortes, porém, não afetam todos os motoristas com a mesma intensidade. “Estudos apontam que campanhas que se baseiam em imagens chocantes de acidentes, principalmente relacionados à combinação de álcool e direção, são pouco eficazes entre os jovens”, diz o especialista Anthony Reinhardt-Rutland, da Sociedade Britânica de Psicologia. Para garantir que sua mensagem sobre segurança no trânsito chegue aos jovens, a comissão australiana apela para um temor mais específico deles: o de serem pegos pela polícia. “Para esse público, criamos filmes que enfatizam a atuação policial”, diz Thompson. É óbvio, entretanto, que para que essa ameaça surta efeito ela tem de ser real. Ou seja, é preciso que as leis e a fiscalização funcionem. Nas ruas e estradas brasileiras, vigora a impunidade. E as campanhas discretas, que apenas insinuam situações de perigo e são restritas às épocas de maior movimento nas estradas, não intimidam os motoristas infratores: no ano passado, foram mais de 40 000 vítimas fatais — um aumento de 30% na última década. Revendo: na Austrália, tem-se 6,14 mortes no trânsito para cada 100 000 habitantes. No Brasil, há 21,36, ou mais que o triplo. É uma estatística da qual cada motorista, antes de sentar-se ao volante, deveria se lembrar. Com vergonha, com pesar e com a determinação de não somar a si mesmo, ou a outros, a ela.

Fonte. Veja.com

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Para reflexão

Conta a lenda que, à beira da morte, Alexandre (O Grande) convocou todos os seus generais e relatou seus três últimos desejos: 

 1º- Que seu caixão fosse transportado pelas mãos dos médicos da época; 

 2º- Que fosse espalhado no caminho até seu túmulo os seus tesouros conquistados (prata, ouro, pedras preciosas…); 

 3º- Que suas duas mãos fossem deixadas balançando no ar, fora do caixão, à vista de todos. Um dos seus generais, admirado com esses desejos insólitos, perguntou a Alexandre quais as razões. Alexandre explicou:  

1º- Quero que os mais iminentes médicos carreguem meu caixão para mostrar que eles NÃO têm poder de cura perante a morte; 

 2º- Quero que o chão seja coberto pelos meus tesouros para que as pessoas possam ver que os bens materiais aqui conquistados, aqui permanecem; 

 3º- Quero que minhas mãos balancem ao vento para que as pessoas possam ver que de mãos vazias viemos e de mãos vazias partimos. 

Pense nisso…

Genial


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Blog Music

DEGRAUS DA ILUSÃO

 Lya Luft, 

Fala-se muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma “nova classe média”, realizada por degraus que levam a outro patamar social e econômico (cultural, não ouço falar). Em teoria, seria um grande passo para reduzir a catastrófica desigualdade que aqui reina.
Porém receio que, do modo como está se realizando, seja uma ilusão que pode acabar em sérios problemas para quem mereceria coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para os despossuídos, boa escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos para a população inteira, isto é, educação, saúde, transporte, energia elétrica, segurança, água, e tudo de que precisam cidadãos decentes.
Porém, o que vejo são multidões consumindo, estimuladas a consumir como se isso constituísse um bem em si e promovesse real crescimento do país. Compramos com os juros mais altos do mundo, pagamos os impostos mais altos do mundo e temos os serviços (saúde, comunicação, energia, transportes e outros) entre os piores do mundo. Mas palavras de ordem nos impelem a comprar, autoridades nos pedem para consumir, somos convocados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas péssimas estradas.
Além disso, a inadimplência cresce de maneira preocupante, levando famílias que compraram seu carrinho a não ter como pagar a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio no fim de semana. Tesouro esse que logo vão perder, pois há meses não conseguem pagar as prestações, que ainda se estendem por anos.

Estamos enforcados em dívidas impagáveis, mas nos convidam a gastar ainda mais, de maneira impiedosa, até cruel. Em lugar de instruírem, esclarecerem, formarem uma opinião sensata e positiva, tomam novas medidas para que esse consumo insensato continue crescendo – e, como somos alienados e pouco informados, tocamos a comprar.
Sou de uma classe média em que a gente crescia com quatro ensinamentos básicos: ter seu diploma, ter sua casinha, ter sua poupança e trabalhar firme para manter e, quem sabe, expandir isso. Para garantir uma velhice independente de ajuda de filhos ou de estranhos; para deixar aos filhos algo com que pudessem começar a própria vida com dignidade.
Tais ensinamentos parecem abolidos, ultrapassadas a prudência e a cautela, pouco estimulados o desejo de crescimento firme e a construção de uma vida mais segura. Pois tudo é uma construção: a vida pessoal, a profissão, os ganhos, as relações de amor e amizade, a família, a velhice (naturalmente tudo isso sujeito a fatalidades como doença e outras, que ninguém controla). Mas, mesmo em tempos de fatalidade, ter um pouco de economia, ter uma casinha, ter um diploma, ter objetivos certamente ajuda a enfrentar seja o que for. Podemos ser derrotados, mas não estaremos jogados na cova dos leões do destino, totalmente desarmados.
Somos uma sociedade alçada na maré do consumo compulsivo, interessada em “aproveitar a vida”, seja o que isso for, e em adquirir mais e mais coisas, mesmo que inúteis, quando deveríamos estar cuidando, com muito afinco e seriedade, de melhores escolas e universidades, tecnologia mais avançada, transportes muito mais eficientes, saúde excelente, e verdadeiro crescimento do país. Mas corremos atrás de tanta conversa vã, não protegidos, mas embaixo de peneiras com grandes furos, que só um cego ou um grande tolo não vê.
A mais forte raiz de tantos dos nossos males é a falta de informação e orientação, isto é, de educação. E o melhor remédio é investir fortemente, abundantemente, decididamente, em educação: impossível repetir isso em demasia. Mas não vejo isso como nossa prioridade.
Fosse o contrário, estaríamos atentos aos nossos gastos e aquisições, mais interessados num crescimento real e sensato do que em itens desnecessários em tempos de crise. Isso não é subir de classe social: é saracotear diante de uma perigosa ladeira. Não tenho ilusão de que algo mude, mas deixo aqui meu quase solitário (e antiquado) protesto.


Fonte. Veja.com.br

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

15 de Outubro - Dia do Professor.


A pobreza da riqueza


Por Cristóvam Buarque     

        "Em nenhum outro país os ricos demonstram mais ostentação que no Brasil. Apesar disso, os brasileiros ricos são pobres. São pobres porque compram sofisticados automóveis importados, com todos os exagerados equipamentos da modernidade, mas ficam horas engarrafados ao lado dos ônibus de subúrbio. E, às vezes, são assaltados, seqüestrados ou mortos nos sinais de trânsito. Presenteiam belos carros a seus filhos e não voltam a dormir tranqüilos enquanto eles não chegam em casa. Pagam fortunas para construir modernas mansões, desenhadas por arquitetos de renome, e são obrigados a escondê-las atrás de muralhas, como se vivessem nos tempos dos castelos medievais, dependendo de guardas que se revezam em turnos.

        Os ricos brasileiros usufruem privadamente tudo o que a riqueza lhes oferece, mas vivem encalacrados na pobreza social. Na sexta-feira, saem de noite para jantar em restaurantes tão caros que os ricos da Europa não conseguiriam freqüentar, mas perdem o apetite diante da pobreza que ali por perto arregala os olhos pedindo um pouco de pão; ou são obrigados a restaurantes fechados, cercados e protegidos por policiais privados. Quando terminam de comer escondidos, são obrigados a tomar o carro à porta, trazido por um manobrista, sem o prazer de caminhar pela rua, ir a um cinema ou teatro, depois continuar até um bar para conversar sobre o que viram. Mesmo assim, não é raro que o pobre rico seja assaltado antes de terminar o jantar, ou depois, na estrada a caminho de casa. Felizmente isso nem sempre acontece, mas certamente, a viagem é um susto durante todo o caminho. E, às vezes, o sobressalto continua, mesmo dentro de casa.
        Os ricos brasileiros são pobres de tanto medo. Por mais riquezas que acumulem no presente, são pobres na falta de segurança para usufruir o patrimônio no futuro. E vivem no susto permanente diante das incertezas em que os filhos crescerão. Os ricos brasileiros continuam pobres de tanto gastar dinheiro apenas para corrigir os desacertos criados pela desigualdade que suas riquezas provocam: em insegurança e ineficiência. 
        No lugar de usufruir tudo aquilo com que gastam, uma parte considerável do dinheiro nada adquire, serve apenas para evitar perdas. Por causa da pobreza ao redor, os brasileiros ricos vivem um paradoxo: para ficarem mais ricos têm de perder dinheiro, gastando cada vez mais apenas para se proteger da realidade hostil e ineficiente. 
        Quando viajam ao exterior, os ricos sabem que no hotel onde se hospedarão serão vistos como assassinos de crianças na Candelária, destruidores da Floresta Amazônica, usurpadores da maior concentração de renda do planeta, portadores de malária, de dengue e de verminoses. São ricos empobrecidos pela vergonha que sentem ao serem vistos pelos olhos estrangeiros.
        Na verdade, a maior pobreza dos ricos brasileiros está na incapacidade de verem a riqueza que há nos pobres. Foi esta pobreza de visão que impediu os ricos brasileiros de perceberem, cem anos atrás, a riqueza que havia nos braços dos escravos libertos se lhes fosse dado direito de trabalhar a imensa quantidade de terra ociosa de que o país dispunha. Se tivesse percebido essa riqueza e libertado a terra junto com os escravos, os ricos brasileiros teriam abolido a pobreza que os acompanha ao longo de mais de um século. Se os latifúndios tivessem sido colocados à disposição dos braços dos ex-escravos, a riqueza criada teria chegado aos ricos de hoje, que viveriam em cidades sem o peso da imigração descontrolada e com uma população sem miséria.
        A pobreza de visão dos ricos impediu também de verem a riqueza que há na cabeça de um povo educado. Ao longo de toda a nossa história, os nossos ricos abandonaram a educação do povo, desviaram os recursos para criar a riqueza que seria só deles, e ficaram pobres: contratam trabalhadores com baixa produtividade, investem em modernos equipamentos e não encontram quem os saiba manejar, vivem rodeados de compatriotas que não sabem ler o mundo ao redor, não sabem mudar o mundo, não sabem construir um novo país que beneficie a todos. Muito mais ricos seriam os ricos se vivessem em uma sociedade onde todos fossem educados.
        Para poderem usar os seus caros automóveis, os ricos construíram viadutos com dinheiro de colocar água e esgoto nas cidades, achando que, ao comprar água mineral, se protegiam das doenças dos pobres. Esqueceram-se de que precisam desses pobres e não podem contar com eles todos os dias e com toda saúde, porque eles (os pobres) vivem sem água e sem esgoto. Montam modernos hospitais, mas tem dificuldades em evitar infecções porque os pobres trazem de casa os germes que os contaminam. Com a pobreza de achar que poderiam ficar ricos sozinhos, construíram um país doente e vivem no meio da doença. 
        Há um grave quadro de pobreza entre os ricos brasileiros. E esta pobreza é tão grave que a maior parte deles não percebe. Por isso a pobreza de espírito tem sido o maior inspirador das decisões governamentais das pobres ricas elites brasileiras. 
        Se percebessem a riqueza potencial que há nos braços e nos cérebros dos pobres, os ricos brasileiros poderiam reorientar o modelo de desenvolvimento em direção aos interesses de nossas massas populares. Liberariam a terra para os trabalhadores rurais, realizariam um programa de construção de casas e implantação de redes de água e esgoto, contratariam centenas de milhares de professores e colocariam o povo para produzir para o próprio povo. Esta seria uma decisão que enriqueceria o Brasil inteiro - os pobres que sairiam da pobreza e os ricos que sairiam da vergonha, da insegurança e da insensatez. 

        Mas isso é esperar demais. Os ricos são tão pobres que não percebem a triste pobreza em que usufruem suas malditas riquezas".

Eduardo Marinho

Tenho profunda simpatia pela interpretação do mundo feita pelo Eduardo.

sábado, 13 de outubro de 2012

Lembre-se

Não existe um segredo ou fórmula para alegria, simplesmente acontece; 

 "Alegria só em raros momentos de distração" 

 Riobaldo

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Educação


Um dia para História

"O ministro Joaquim Barbosa foi eleito nesta quarta-feira, 10, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). A eleição, realizada por voto secreto, aconteceu antes do julgamento do mensalão. Ricardo Lewandowski será o vice-presidente. Pelas regras da Corte, assume a presidência o ministro mais antigo que ainda não tenha ocupado o cargo. O mandato é de dois anos. Joaquim Barbosa substituirá Carlos Ayres Britto, que se aposenta compulsoriamente em novembro, quando completa 70 anos. Aos 58 anos, Barbosa será o primeiro presidente negro da Corte Suprema, segundo a Fundação Palmares. O ministro compõe o STF desde 2003 e foi indicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Barbosa está em destaque desde que assumiu a relatoria do processo do mensalão." 

 Não apenas pelo comportamento aguerrido do Ministro Joaquim Barbosa que tenho admiração por ele. Não o desenho como herói ou paladino da Justiça assim como muitos o fazem. É necessário lembrar que o Joaquim Barbosa não foi escolhido para ser relator do mensalão, foi sorteado. Precisamos crer que a Justiça nesse País de fato existe e funciona. Creio que esse seja o grande desejo de toda sociedade. O mensalão é porta de entrada para inúmeros problemas que assolam nossa sociedade. Para resolvermos estes problemas precisamos de homens de fibra, de honra, que estejam comprometidos em tornar nosso País mais justo, menos desigual e totalmente intolerante à corrupção seja onde ela estiver. Que o Joaquim Barbosa possa presidir o Supremo de modo que promova mudanças significativas para o melhor do Brasil.

domingo, 16 de setembro de 2012

Blog Music


"Se você deixou de acreditar Se a vida só faz piorar Pegue a estrada e desligue o celular Veja o pôr do sol, em frente ao mar Problemas na vida todo mundo tem Você não é pior nem melhor que ninguém Se quiser amar aprenda a se doar Faça que os erros te façam crescer Na dúvida escolha o melhor pra você Dê mais importância a quem lhe quer bem E a vida há de ser bem melhor, pode crer E na vida ame mais sem porém nem porquê Que a vida passa depressa Não perca tempo Que o final só Deus pode prever Cante a vida, na beleza da imperfeição Dance a vida, feche os olhos, tire os pés do chão Viva a vida, ouça os seus discos Reveja os amigos Que o melhor nessa vida É viver de coração"

 



Desejo uma ótima semana para todos. Abraços

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Villa Lobos



Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente.
Sobre o espaço, sonhadora e bela!
Surge no infinito a lua docemente,
Enfeitando a tarde, qual meiga donzela
Que se apresta e a linda sonhadoramente,
Em anseios d'alma para ficar bela
Grita ao céu e a terra toda a Natureza!
Cala a passarada aos seus tristes queixumes
E reflete o mar toda a Sua riqueza...
Suave a luz da lua desperta agora
A cruel saudade que ri e chora!
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente
Sobre o espaço, sonhadora e bela!


Ruth Valadares Correa

Justice

Não vejo a hora de mergulhar nessa leitura.




Entrevista com Michael Sandel (copie o link abaixo e cole no seu navegador)

 http://globotv.globo.com/globo-news/milenio/v/a-politica-e-o-exercicio-da-capacidade-humana-de-julgamento-diz-michael-sandel/1875629/

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Documentário - Eu existo

Belíssimo documentário, são 16 minutos que mostram a verdadeira face do Brasil de "todos". A história só é verídica quando o próprio protagonista pode mostrar sua cara e contar sua batalha.

 

sábado, 18 de agosto de 2012

Criatividade


Não Adianta Negar – Você Também é Hipócrita

Somos todos hipócritas. Eu, você, a moça ao lado. Criamos uma realidade de acordo com o nosso mundo da imaginação, e convivemos com regras um tanto quanto sem sentido. A gente não vê. Como é difícil demais aceitar algumas verdades, escolhemos andar de venda. E tem vezes também que vemos tudo, mas fingimos que não vemos. Já nos acostumamos com a insanida
de. Essa realidade foi retratada muito bem no filme, La Belle Vert, que conta a história de moradores de outro planeta que têm uma organização social e moral muito elevada e que, de tempos em tempos, vão para planetas menos desenvolvidos para oferecer ajuda. Pra eles, a Terra era o caso mais crítico; humanos eram considerados um caso perdido, principalmente depois da crucificação de um dos enviados. Alguns moradores vêm para cá e começam a questionar a loucura de vários de nossos valores e costumes. E a gente se lembra – através da visão emprestada da protagonista do filme – o quão absurdas são algumas regras, costumes e crenças da nossa sociedade.
Se, como no filme, fôssemos extraterrestres, com certeza haveria mais coisas as quais contestaríamos sobre a nossa sociedade. Eis algumas delas:

- Nossa, as pessoas andam quase peladas na praia e tudo bem? O que é aquilo que a mulher usa – biquíni? Tampa algumas micro-partes mas o resto do corpo está totalmente exposto? Qual a diferença entre isso e fazer topless? Por que topless é proibido – o que há de errado em mostrar um mamilo se todo o resto já está de fora?

- Eles ficam extremamente desconfortáveis para conversar sobre sexo, mas assistem à novela das oito com os filhos no sofá – aquela mesmo na qual não pode faltar traição, mentiras, cenas de pré-sexo?

- Eles criticam massivamente hábitos como fumar, mas se entopem de açúcar e conservantes e levam os filhos pra comer no Mc Donald’s nos fins de semana? Eles chamam quem fuma maconha de drogado mas levam vidas consumindo cerveja, vodka, whisky, fast food, rivotril?

- Eles se gabam de ter relacionamentos felizes e dizem que amam suas mulheres, mas a cada quinze dias dão uma passadinha no puteiro na hora do almoço?

- Eles criticam o poliamor e os relacionamentos abertos, mas traem sem peso na consciência?

- Eles se dizem modernos mas ainda gastam fortunas fazendo festas de casamento que duram 6 horas pra um monte de gente com quem eles muitas vezes nem se importam? Eles ainda seguem esse hábito de seus avós?

- Eles vão à Igreja todo domingo, mas na segunda-feira fazem fofoca no trabalho e fingem que não vêem a criança sentada na calçada pedindo uma coisa pra comer? Eles falam em amor mas só pensam mesmo em dinheiro?

- Eles estudam algo do qual não gostam, trabalham em empregos que não os deixam felizes, compram coisas das quais não precisam? Se a missão de todo mundo é sobreviver, por que eles gastam horas dos seus preciosos dias fazendo algo do qual não gostam? Eles se encaixam em profissões pré-estabelecidas (e se tornam peças completamente substituíveis par enriquecer outra pessoa), se casam, têm filhos, seguem a moda, assistem novela, compram porque gostaram do anúncio e, ainda sim, se consideram livres?

- Ela reclama que não acha um parceiro pra vida, mas só expõe o que tem do lado de fora? Ela mostra pra quem quiser ver que o que tem de melhor para oferecer é sua aparência e depois espera que os outros queiram muito mais do que somente o corpo dela?

- Eles constroem perfis nas redes sociais que faz com que eles pareçam super felizes e descolados mas, na realidade, a vida real deles é um caos?

- Eles reclamam da realidade mas não fazem nada pra mudar?

- Eles acham um absurdo falar de sexo e pouca vergonha dois homens se beijando no metrô, mas quando chega o Carnaval todos vestem suas máscaras de liberais e saem semi-pelados como se lidassem muito bem com sexualidade?

Alguém aí tem as respostas? Caso tenham, aguardo ansiosamente por elas nos comentários.


Fonte.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Documentário

Tenho paixão por documentário, o doc abaixo é excelente. Indico, assista com muita atenção. Dr. Milton Santos é preciso em todas suas colocações. 


O mundo global visto do lado de cá, documentário do cineasta brasileiro Sílvio Tendler, discute os problemas da globalização sob a perspectiva das periferias (seja o terceiro mundo, seja comunidades carentes). O filme é conduzido por uma entrevista com o geógrafo e intelectual baiano Milton Santos, gravada quatro meses antes de sua morte.
O cineasta conheceu Milton Santos em 1995, e desde então tinha planos para filmar o geógrafo. Os anos foram passando e, somente em 2001, Tendler realizou o que seria a última entrevista de Milton (que viria a morrer cinco meses depois). Baseado nesse primeiro ponto de partida o documentário procura explicar, ou até mesmo elucidar, essa tal Globalização da qual tanto ouvimos falar.
O documentário percorre algumas trilhas desses caminhos apontados por Milton, vemos movimentos na Bolívia, na França, México e chegamos ao Brasil, na periferia de Brasília. Em Ceilândia, a câmera nos mostra pessoas dispostas a mudar as manchetes dos jornais que só falam da comunidade para retratar a violência local. Adirley Queiroz, ex-jogador de futebol, hoje cineasta, estudou os textos de Milton e procura novos caminhos para fugir do 'sistema' ou do Globaritarismo -- termo criado por Milton Santos para designar a nova ordem mundial.


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Publicidade

Gostei da peça, o bom relacionamento entre Pai e filho é fundamental. E o produto dispensa comentários.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Para Pensar

Sei que estou em débito com quem sempre faz aquela visita diária em busca de algum texto novo. Fui tomado por uma má vontade de origem desconhecida (popular preguiça). Quero muito compartilhar alguns temas interessantes. Em breve estarei por aqui novamente. Por enquanto deixo essa reflexão. beijos e abraços em todos. 


 Obrigado.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Fala do presidente do Uruguai, Pepe Mujica, na Rio + 20



 Autoridades presentes, de todas as latitudes e organizações, muito obrigado. E muito obrigado, nosso agradecimento ao povo do Brasil e à sua senhora presidente. E muito obrigado à boa-fé que, seguramente, manifestaram todos os oradores que me precederam. Expressamos a íntima vontade, como governantes, de acompanhar todos os acordos que esta nossa pobre humanidade possa subscrever. No entanto, seja-nos permitido fazer algumas perguntas em voz alta. Durante toda a tarde esteve-se falando em desenvolvimento sustentável, de tirar imensas massas da pobreza. O que nos passa pela cabeça? O modelo de desenvolvimento do consumo é o atual das sociedades ricas. Eu gostaria de perguntar o que aconteceria a este planeta se os indianos tivessem a mesma proporção de carros por família têm os alemães? Quanto oxigênio nos restaria para podermos respirar? Mais claro: o mundo tem, hoje, os elementos materiais para fazer possível que sete, oito bilhões de pessoas possam ter o mesmo nível de consumo e desperdício das mais opulentas sociedades ocidentais? Será possível ? Ou teremos que nos dar, algum dia, outro tipo de discussão? Porque criou-se uma civilização, na que estamos, filha do mercado, filha da competição, que se deparou com um progresso material portentoso e explosivo. Mas o que foi economia de mercado criou a sociedade de mercado. E se apresentou esta "globalização" que significa olhar por todo o planeta. Estamos governando a globalização ou a globalização nos governa? É possível falar de solidariedade e de que estamos todos juntos numa economia que está baseada na competição desapiedada? Até onde chega a nossa fraternidade? Nada disso digo para negar a importância desse evento. Não, pelo contrário, o desafio que temos pela frente é de uma magnitude e de um caráter colossal e a grande crise não é psicológica, é política. O homem não governa, hoje. A força que se liberou, ou a força que liberaram governa o homem... e à vida. Porque não viemos ao planeta para nos desenvolvermos em termos gerais. Viemos à vida tentando ser felizes. Porque a vida é curta e nos acaba. Nenhum bem vale como a vida e isto é elementar. Mas se a vida me vai escapar trabalhando e trabalhando para consumir o máximo e a sociedade de consumo é o motor, porque se definitivamente se paralisa o consumo ou se detém, se detém a economia, e se se detém a economia é o fantasma da estagnação para cada um de nós. Mas esse hiper-consumo, a juízo, é o que está agredindo o planeta e esse hiper-consumo tem que gerar coisas que durem pouco, porque é preciso vender muito. Uma lâmpada elétrica não pode durar mais de mil horas acesa. Há lâmpadas que podem durar cem mil, duzentas mil horas, mas essas não se pode fazer. Porque o problema é o mercado. Porque temos que trabalhar. Temos que estar numa sociedade de uso e descarte, estamos num círculo vicioso. Estes são problemas de caráter político que estão nos dizendo da necessidade de lutar por outra cultura. Não se trata de propor voltar aos homens das cavernas, nem fazer um monumento ao atraso. É que não podemos, indefinidamente, continuar governados pelo mercado mas, sim, temos que governar o mercado. Por isso digo que o problema é de caráter político. Na minha humilde maneira de pensar - porque, como os velhos pensadores definiam, Epicuro, Sêneca, ..., - pobre não é o que tem pouco, mas o verdadeiramente pobre é o que necessita infinitamente muito e deseja e deseja e deseja mais e mais. Esta é uma chave de caráter cultural. Então, vou saudar o esforço e lhes recordo que é assim. Vou acompanhar, como governante, porque sei que alguma coisa das que digo se retêm. Mas temos que nos dar conta que a crise da água, que a crise do meio ambiente não são uma causa. A causa é o modelo de civilização que construímos e o que temos que rever é a nossa forma de viver. Por quê? Pois temos um país pequeno, muito bem dotado de recursos naturais para viver. Em meu país há três milhões de habitantes, pouco mais, três milhões e duzentos, mas há treze milhões de vacas, das melhores do mundo, e uns oito a dez milhões de ovelhas, estupendas. Meu país é exportador de comida, de arte ou de carne. É uma enorme planície, quase noventa por cento do seu território é aproveitável. Meus companheiros trabalhadores lutaram muito pelas oito horas de trabalho. Agora estão conseguindo seis horas. Mas aquele que consegue as seis horas, consegue outro trabalho, portanto trabalha mais que antes. Por quê? Porque tem que pagar uma quantidade de mensalidades, a motocicleta que comprou, o carrinho que comprou, e paga prestação e paga prestação e quando se dá conta, é um velho reumático como eu e se lhe foi a vida. E se faz essa pergunta: esse é o destino da vida humana? Estas coisas são muito elementares. O desenvolvimento não pode ser contra a felicidade, tem que ser a favor da felicidade humana, do amor sobre a terra, nas relações humanas, no cuidar dos filhos, em ter amigos, em ter o mínimo necessário. Precisamente, porque esse é o tesouro mais importante que existe. Quando lutamos pelo meio ambiente, o primeiro elemento do meio ambiente se chama felicidade humana. Obrigado. 


 José Mujica, el Pepe.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Invictus

Do avesso desta noite que me encobre, Preta como a cova, do começo ao fim, Eu agradeço a quaisquer deuses que existam, Pela minha alma inconquistável. Na garra cruel desta circunstância, Não estremeci, nem gritei em voz alta. Sob a pancada do acaso, Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada. Além deste lugar de ira e lágrimas Avulta apenas o horror das sombras. E apesar da ameaça dos anos, Encontra-me, e me encontrará destemido. Não importa quão estreito o portal, Quão carregada de punições a lista, Sou o mestre do meu destino: Sou o capitão da minha alma. 


 William Ernest Henley (1849-1903)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Publicidade Infantil

Entre um bloco e outro de um programa de tevê, exércitos de bonecos, ursinhos e super-heróis não medem esforços para vender para as crianças o mais novo brinquedo do mercado. Na internet, aquele que conseguir fazer o personagem comer uma maior quantidade de sanduíches é o vencedor do jogo criado especialmente para uma rede de fast food. Pequenas reproduções de logomarcas de empresas deixam os jogos de tabuleiro com uma cara mais próxima à realidade.
Não existe ainda no Brasil uma legislação específica para a publicidade de produtos infantis, de modo que atualmente cabe apenas às normas do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e aos pais moderar a grande quantidade de informação que chega aos pequenos. Tramita na Câmara dos Deputados há mais de dez anos o Projeto de Lei 5921, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB – PR), que pretende proibir a publicidade destinada a vender produtos infantis. O texto já sofreu modificações na Comissão de Defesa do Consumidor e na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e chegou à Comissão de Ciência e Tecnologia na última terça-feira 3, para ser consultado em audiência pública.
Durante a reunião, o deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP), relator do PL na Comissão, concluiu que o Conar tem sido ineficaz na fiscalização das agências publicitárias e que o País não deve continuar sem regulamentação para publicidade infantil. “Nós vamos tentar buscar o melhor para população e particularmente para as crianças. Hoje, estamos convivendo com a população infantil obesa, por conta do consumismo, do sedentarismo. O que queremos, na verdade, é buscar um meio termo para que a propaganda não venha a ser restrita, mas, por outro lado, também não haja um incentivo, um estímulo absurdo ao consumo, conforme estamos vivenciando hoje”, afirmou.

“Nós entendemos que esse projeto de lei é uma iniciativa muito importante para a proteção da infância brasileira”, considera Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Instituto Alana, entidade líder na campanha em favor da vedação de qualquer tipo de publicidade dirigida a menores de 12 anos. Para ela, crianças ainda não têm capacidade psicológica suficiente para compreender a mensagem publicitária. “A criança não consegue entender o que é publicidade e o que é programação ou conteúdo. Por exemplo, ela acha que a boneca que aparece no desenho é a mesma que aparece na propaganda. As empresas estão vendendo para ela sem ela saber”, explica, em entrevista à CartaCapital.
Ekaterine lembra que a proibição apenas de propagandas de produtos infantis não é suficiente, uma vez que as crianças ainda estariam expostas ao comercial destinado aos adultos. “O posicionamento do Instituto Alana não é apenas a proibição de publicidades infantis, mas o fim da publicidade direcionada ao público infantil, independentemente do produto. Porque muitas vezes algumas mensagens de vendas de produtos adultos, como carros, celulares também usam de artifícios para que a criança haja como promotora de vendas”, afirma.
Recentemente a Fiat passou a veicular seu logotipo em brinquedos como carrinhos e jogos de tabuleiro. No início de junho, em entrevista ao jornal Valor Econômico, João Batista Ciaco, diretor de publicidade e marketing de relacionamento da empresa e presidente da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), revelou que a estratégia visa criar uma relação afetiva do público infantil com a Fiat para influenciar as compras da família.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Alana já mostrou que a criança tem influência sobre as compras gerais da casa em cerca de 80%. “O público infantil vai interferir na compra do veículo, na compra do alimento, na compra do material de limpeza, do plano de saúde. Por isso a publicidade é destinada para ela”, explica Ekaterine. E completa: “Dada as condições socioeconômicas da nossa sociedade, que tem a televisão como uma babá virtual, as empresas sabem que as crianças têm mais acesso à mídia porque os responsáveis estão trabalhando. Quando os pais chegam em casa, elas reproduzem esse conteúdo, os jingles, as canções”.
O substitutivo proposto em 2008 pela então deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), na Comissão de Defesa do Consumidor, analisava a questão, afirmando que não haveria motivos para restringir a publicidade se o produto infantil fosse anunciado aos pais.  O texto, aprovado pela Comissão, foi considerado radical pelos agentes de mercado, mas bastante completo pelos demais envolvidos na questão, definindo o que é uma mensagem dirigida às crianças, propondo uma regulamentação para as mensagens destinadas aos adolescentes e incluindo punições. De acordo com o projeto, a comunicação mercadológica abrange, dentre outros, a própria publicidade, anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e sites na internet, embalagens, promoções, merchandising e disposição dos produtos nos pontos de vendas.
“Nós, do Instituto Alana, não somos contra a publicidade. Contra esse tipo de estratégia que é deliberadamente feita para que a criança aja como um promotor de vendas é que lutamos. Não queremos restringir a liberdade de expressão de ninguém, apenas que o comercial exista para quem pode decidir se quer ou pode comprar determinado produto”, conclui Ekaterine.
Outro Lado
Rafael Sampaio, vice-presidente executivo da ABA, defende que a autorregulamentação é o principal modo para lidar com a publicidade infantil. “Nossa posição oficial é a favor da publicidade infantil com as restrições que já existem hoje, com as normas do Conar”, diz.
A argumentação de Sampaio parte do exemplo de outros países. Ele afirma que das 192 nações ligados à ONU só se encontram restrições legais sobre o assunto, na dimensão em apenas 2 países e em alguns estados da Suécia e da Noruega e na província de Quebec, no Canadá. Durante entrevista à CartaCapital, ele afirmou: “O caso de Quebec é simbólico. Foi o primeiro lugar do mundo a banir a propaganda infantil e três meses depois o índice de obesidade infantil  não aconteceu nenhuma mudança relevante. Inclusive, em relação às demais áreas do Canadá, a diferença era apenas de 1%”.
A campanha “Somos Todos Responsáveis”, promovida pela Associação Brasileira de Agências de Publicidade, trata a proibição como ineficaz. “Basta proibir sumariamente a propaganda dirigida para crianças de até 12 anos para protegê-las das tentações do consumo e de outros supostos riscos. Mas será que é mesmo simples assim? As crianças também deverão ser proibidas de ver as vitrines nos shoppings? Serão impedidas de mostrar o tênis e a mochila novos aos colegas de classe para evitar desejos consumistas?”, escreve a entidade na página oficial da campanha.
Durante a audiência, o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista da Costa, criticou a interferência do Estado nesse tema. “Esse projeto de lei não tem consenso. O Estado não pode desligar a Internet ou proibir a viagem de crianças ao exterior. Vai acabar criando um sistema de castas, onde há aqueles com informação e aqueles sem”, disse. Costa afirmou ainda que sãos as mães que compram 70% dos brinquedos no Brasil. “A mãe sabe muito bem o que está fazendo. Eu prefiro confiar na mãe do que na ação do Estado para regular o que a família deve fazer. Eu prefiro o respeito a família brasileira”, destacou.
O deputado Salvador Zimbaldi  afirmou que deve apresentar seu relatório na primeira quinzena de agosto. Depois o texto ainda terá de passar pela Comissão de Constituição e Justiça antes de seguir para o Senado.

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